quinta-feira, 26 de maio de 2011

O COLÉGIO DE SÃO FIEL E O SEU FUNDADOR



Arrimado ao sopé da encosta Sul da serra da Gardunha e a umas centenas de metros da freguesia de Louriçal do Campo, espraia-se um lugar chamado oficialmente Casal da Pelota, embora hoje mais conhecido por São Fiel.
Neste lugar bucólico de meia altitude onde abundam os bons ares e, os bons cheiros das árvores aquando da florescência; da alfazema, do rosmaninho e do alecrim; do doce aroma do feno e do acre da esteva e da giesta; do mosto da uva e do bagaço da azeitona; do odor forte que a terra desprende quando recebe as primeiras chuvas ou o da lenha quando arde nas pedras dos lares em noites de invernia; onde as aves, rainhas dos ares, nos brindam com os seus variados trinos; onde o sol no seu zénite nos abrasa por vezes e o céu se apresenta com um azul imaculado como se fora o primeiro dia da sua criação e nos deixa absortos, é nesta harmonia, que se ergue com imponência,, um edifício com uma igrejinha à sua ilharga e, que foi em tempos idos o célebre Colégio de São Fiel .

  Esta vetusta casa, foi erigida por um homem nascido em Louriçal do Campo a 4 de Fevereiro de 1808 e que pelo baptismo recebeu o nome de José Bento Ribeiro.
Vale a pena explanar um pouco sobre a sua vida. Depois dos estudos preliminares, ingressou na Universidade de Coimbra e, em 1830 quando cursava o terceiro ano de Direito, dois padres do convento de Varatojo, – Torres Vedras – iniciaram naquela cidade uma missão que se prolongou até Domingo de Ramos. Dos muitos estudantes que acorriam para ouvirem as prédicas dos religiosos, estavam José Bento Ribeiro e um amigo íntimo este já no último ano da Faculdade.
Depois de muito conversarem, ambos resolveram abraçar a vida religiosa. Entraram para o convento de Varatojo e José Ribeiro já na clausura recebeu o nome de Frei Agostinho da Anunciação. Tomou o hábito nesse mesmo ano professando no ano seguinte.
Em 1833 - já ordenado presbítero - as perseguições eram inclementes o que consequentemente levou ao encerramento dos conventos.
Frei Agostinho refugiou-se na sua terra natal em casa dos pais. Mas, como também até aqui a perseguição tivesse chegado, resolveu ir com a sua mãe e irmãos para Lisboa só regressando quando a situação acalmou.
Chegado à sua terra, dedicou-se incondicionalmente à nobre missão de educador instruindo crianças nas letras e catequese. Pouco tempo decorrido, projectou construir o colégio dos meninos órfãos para, assim poder exercer esse mister com maior proficiência.

Começou por conseguir da Igreja dos Camilos um corpo feito de ossadas de mártires encontrados segundo se crê nas catacumbas de Roma e revestido com cera. Trazia já o nome de mártir São Fiel e foi levado para a igreja de Louriçal do Campo onde ainda hoje é venerado.


Sob esta invocação deu inicio à obra do seu tão almejado asilo a um quilómetro da freguesia, lugar que como já referi, passou a ser conhecido por São Fiel que à altura era um ermo.
Em 1858 quando a casa estava quase concluída tendo já recolhido alguns alunos órfãos ou crianças totalmente desamparadas, um enorme incêndio devorou-a e, os alunos  recolhidos no orfanato de Campolide. Contudo, Frei Agostinho não esmoreceu o seu entusiasmo porque de imediato, tratou da sua reconstrução e com tal vigor que já em 1860 se encontrava a casa de novo povoada. Neste mesmo ano, começaram ali a prestar óptimos serviços cinco irmãs da caridade, duas portuguesas e três francesas. Sabe-se que em 1862 habitavam o asilo 45 órfãos e alguns pensionistas.
Nesse tempo, o reino encontrava-se em completa desordem e, o rei D. Luís, não conseguia pôr a roda no eixo. As perseguições às ordens religiosas recrudesciam e as irmãs da caridade, em 1860, foram expulsas de São Fiel sob os mais fúteis pretextos. Retiraram-se para Lisboa juntando-se a outras da mesma congregação que prestavam serviços noutros lugares do país e, mais tarde, embarcadas para França onde foram recebidas de bom grado e apreciados os seus bons serviços. O que uns desperdiçam outros aproveitam.
Com a expulsão das Irmãs juntamente com outras dificuldades na sustentação, deslocou-se Frei Agostinho a Lisboa onde ia com alguma frequência a fim de tratar assuntos inerentes ao funcionamento da sua casa encontrando muito doente o confessor da Infanta D. Isabel Maria que o assistiu até à morte.
A Infanta escolheu-o para seu confessor o que não só lhe permitia ir a São Fiel as vezes necessárias, como lhe oferecia valiosos auxílios para o sucesso da sua empresa.
Entretanto Frei Agostinho, já há muito tempo pensava em entregar aquela instituição aos padres jesuítas mas, sempre encontrou entraves, até que numa das viagens que fez a Roma juntamente com a Infanta D. Isabel , conseguiu do Papa Pio IX de quem Frei Agostinho beneficiava de uma certa familiaridade, o consentimento para tal. Apesar de muitas reservas e alguma celeuma, tomaram os jesuítas a direcção do orfanato em 1863.
Quanto ao seu fundador, sabe-se que a Infanta a pedido dele e do Papa, dispensou-o para poder recolher-se no convento de Varatojo, onde foi eleito Guardião, depois Presidente e Mestre de noviços. Como sempre tinha sido um empreendedor e um apaixonado pela instrução, abriu no próprio convento uma escola para rapazes e no lugar de Varatojo uma escola para raparigas que para a qual teve um subsídio da infanta D. Isabel Maria.
Frei Agostinho da Anunciação que se dedicou totalmente ao seu semelhante expirou aos 65 anos de idade a 14 de Março de 1874    
Já sob a custódia da nova direcção, foram admitidos em maior número, alunos pensionistas e também alunos em regime de gratuitidade. Todavia, como verificaram a necessidade de alojar os familiares dos educandos quando os visitavam, construíram para o efeito um grande edifício defronte do Colégio que ainda hoje é conhecido pelo hotel, onde trabalhavam permanentemente cinco funcionários só para atenderem as necessidades dos hóspedes.
O número médio anual de alunos andava entre os 200 e os 3oo. Calcula-se que até ao ano de 1903 tenham passado por este estabelecimento 2.100 indivíduos. Em 1910 aquando da extinção, o colégio tinha 400 alunos.
Quanto ao ensino, era de primeira água e a disciplina rígida, sendo a par com o Colégio de Campolide os melhores do país.
 A educação ministrada pelos Jesuítas assentava nos princípios da democracia pura; nenhuma distinção no tratamento entre ricos e os mais necessitados, somente os méritos eram graduados e os alunos eram preparados para todas as durezas da vida. Glorificavam o trabalho, fazendo-se crer nos altos benefícios para cada um e para a comunidade social.
Desde todos os tempos, os colégios sob a égide destes religiosos primavam por uma educação esmerada e por isso eram cuidadosos na escolha dos seus pedagogos tanto assim que no colégio de São Fiel sempre brilharam altos espíritos.
Importa dizer que nas férias e, muitas das vezes, ainda durante o ano lectivo, os Jesuítas recebiam o clero para retiro espiritual; ensinavam a catequese às crianças do campo e ajudavam piedosamente toda a gente de algumas léguas em redor. Contava o meu avô que traziam grandes panelas com sopa para um largo onde a distribuíam juntamente com o  pão aos mais precisados.
Dos mais preclaros professores que aqui serviram podemos citar os seguintes: - Pe. Cândido de Azevedo, biólogo distinto. Pe. Joaquim Costa, homem que percorrera as cinco partidas do mundo e que segundo consta encantava ouvi-lo ensinando geografia. Segundo os escritos, era um homem concentrado e que silenciosamente caminhava sempre solitário pelos compridos corredores do edifício. Os irmãos padres Pereira Dias, um, professor de matemática e o outro de matemática e francês. O padre Joaquim Lima que morreu arcebispo de Bombaim e que foi um insigne orador fluente que prendia a atenção de quem o ouvia e que leccionava matemática. Também os padres Castelo, Nazaré, Moreira, Martins, Zimmermann, Silvano, Rebimbas, amigo íntimo de Egas Moniz, grande neurologista e prémio Nobel  e tantos outros que constituíam o corpo de professores de elite. O staff era composto por 22 elementos.
No campo da investigação científica também este colégio se notabilizou extraordinariamente. Aqui nasceu em 1902 a célebre revista científica “Brotéria” fundada pelos padres Joaquim da Silva Tavares, ilustre naturalista, Cândido Mendes de Azevedo, biólogo distinto e Carlos Zimmermann
A redacção e a administração da revista situavam-se no mesmo colégio. Falta dizer só para informação que esta revista ainda perdura.
Tinha este colégio também um museu que primava pelas colecções da flora autóctone, de lepidóptros (borboletas) e zoocecídeas não só de Portugal como de África, bem como as colecções científicas da Brotéria. Tudo desapareceu aquando da implantação da República em 1910.
Aqui há uns bons anos atrás, provoquei um diálogo com um simpático e bem-falante ancião natural da Soalheira que servira no Colégio. Indagado sobre como era a vida dentro daquele estabelecimento de ensino, avivaram-se-lhe os olhos, quiçá de saudade de um tempo já distante. Ajeitando-se melhor na laje em que nos sentámos começou: - Sabe, os alunos eram muitos, o colégio estava cheio e havia muitos padres, para ter uma ideia, as missas eram celebradas na igrejinha que está ao lado e começavam às 5 horas da manhã e sempre com duas e três celebrações ao mesmo tempo que era para todos os padres terem tempo de celebrarem a sua missa diária antes de começarem as aulas e, o que era mais de admirar é que em todas havia fiéis a assistirem.
O colégio, – continuou o meu amigo – vivia das mensalidades dos alunos, de alguns donativos e do que a terra produzia. Como o senhor deve saber as terras eram muitas e boas e tudo era cultivado. Possuíam também muitos animais que contribuíam para o sustento de todos.
E os alunos? – Perguntei! - Os alunos eram muito bem tratados até tinham direito a um copo de vinho aos almoços de Domingo. Sabe, estudaram aqui muitas pessoas que foram muito importantes como um senhor doutor Egas Moniz pessoa muito afamada. Sei sim – respondi! – E também sei que um outro não menos conhecido aqui estudou que se chamava Augusto Gil grande poeta, o poeta da Balada da Neve e de outras lindíssimas poesias. Mas, muitos outros ali foram educados e instruídos que bons serviços prestaram depois ao país.
Depois, - continuou - com uma certa mágoa na voz: Veio a República e tudo acabou; sabe, quando não há religião já a coisa vai mal.
Com este desabafo, terminámos a nossa  agradável conversa naquele já distante fim de tarde do mês de Agosto. Agradeci o tempo que me dispensou  ficando grato pelas elucidações e, principalmente pela conversa em si. O meu dialogante, estou convicto que também, porque o transportei para um passado que lhe era grato e do qual tinha muitas e boas recordações.
A história desta casa não termina aqui. Aquando da implantação da República, o Estado tudo usurpou: Edifício, terras envolventes, bem como todos os bens que não lhes pertenciam. Todavia, estas são contas de outro rosário e que possivelmente servirão para outro estudo.

SAUDAÇÕES AMIGAS
Conde da Gardunha

      PS. AQUI FICA UMA ACHEGA DE UM LEITOR DO MEU BLOG QUE COM A SUA INFORMAÇÃO VEIO ENRIQUECER ESTE ESTUDO.


Com os meus melhores cumprimentos, sou a informar que fiquei muito satisfeito ao ler o seu blog versando sobre a terra onde também nasci a 04 de Agosto de 1945. Com total isenção de critica ou correcção ao exposto, quero propor algo que julgo ser justo e merecedor de menção no “ Colégio de S. Fiel e seu fundador”.. Refiro-me ao Sr. Manuel António Ribeiro Gaspar que, ao tomar conhecimento por terceiros, que seu irmão Fr. Agostinho, planeava fundar um colégio para meninos em Alpedrinha e que, para tal, já havia contactado o Sr. A.M. Corrêa da Silva Sampaio propondo comprar-lhe o edifício que já havia sido residência dos Jesuítas e que Fr. Agostinho conhecia bem pois fora lá que estudara gramática latina. Na posse desta informação, o Sr. Manuel António Ribeiro Gaspar prontamente entrou em contacto com seu irmão a quem ofereceu gratuitamente não apenas o terreno para construção do Colégio mas também uma outra propriedade. As suas desculpas por este meu atrevimento. Votos de um Bom Ano.           

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