LAMENTAÇÕES PÓSTUMAS DE UM MURO
Eu já morri há um tempinho.
Morri de morte matada. Isto é: fui assassinado. O executante, homem insensível,
avançou sem peias com uma máquina destruidora e a primeira a levar foi uma linda
árvore cheia de flores que se roçava em mim sempre que uma brisa nos
aconchegava. Ficou lamentavelmente desramada. A seguir fui eu que sucumbi
empurrado como se nada fosse. A este executante não lhe fiquei com ódio pois é
um assalariado e o que lhe interessa é o dinheiro. O mandante, o verdadeiro responsável,
foi o maioral cá do burgo que possivelmente levado por patranhas mas, também
não quis ouvir outras opiniões, deu ordem que me sacrificassem. E, uma ordem
dele é suprema.
Ora, eu nasci legalmente com a bênção
de um antigo presidente da junta que não só autorizou como recomendou que eu
nascesse. Há um documento que atesta esta veracidade. Assim, vim ao mundo com o
dinheiro que alguém disponibilizou; dinheiro esse que se finou comigo. Isso não
o incomoda senhor Maioral?
Eu era um muro orgulhoso que
delimitava o espaço público de um campo de cultivo. Servia de anteparo às
pessoas que se encostavam a mim em amena cavaqueira. O senhor maioral com
certeza viu-me antes da condenação e também devia ter visto como esta rua está
degradada com prédios em ruina e paralelepípedos esquecidos encostados a uma
parede. Um maioral que não olha de igual modo para um todo não merece o lugar
que ocupa.
E já agora, o senhor já veio
ver como ficou a obra? esta sim, deve estar eivada de ilegalidade.
Enfim, agora jazo debaixo de
terra, pedras e amianto, sim meu senhor leu bem AMIANTO e isto tudo para
agradar a alguém que nem vive cá e passa 15 dias de férias por ano. Procedeu
mal. Muito mal!
Victor Serra
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